terça-feira, março 22, 2005

Por instantes, sombras pulam pela janela, reflexos somem pelos fios de telefone, despeço-me da paisagem cinzenta, penetro em teu livro e lambuzo-me de vermelho e preto. Lá fora um céu sem deuses, sem arco-íris, sem anjos. Passam aviões, voam bandos de andorinhas e eu aqui estática, horas e horas te vendo envolto num manto azul de luas e estrelas.
-Quanto tempo perdido, pensei.
-Por que não fiz isso antes, perguntei.
Ah, destino!
Do outro lado, a voz na secretária eletrônica, um bipe, silêncio e o barulho do telefone desligando. Do lado de cá, mudez, mãos suadas, tremedeira, falta de ar.

sexta-feira, março 18, 2005

Dúvidas assombram a esperança, verdades derrubam por terra o amor cego que se repete em erros e acertos. Não vês que entre amanhecer e pôr-do-sol abrem-se janelas cada vez menores? Se emoções são compartilhadas logo a alma é emudecida, sufocada e impedida de pronunciar. Ainda é período de perdas e acertos de conta e as verdades seguem diluídas no meio da garganta. Entre um bilhete e outro, as palavras, delicados beijos de canto de boca, são meus jogos de esconde-esconde. Distâncias reais apavoram, o que não é proferido fere, segredos fingem ser mentiras e em brincadeiras de adivinhar, letras se misturam e se perdem percorrendo labirintos entre a mente e o papel.

quarta-feira, março 16, 2005

O melhor de mim ninguém ainda teve, eu é que me consumo. E me destruo alternando overdose e vômitos de mulher sem nexo, lembrança insistente, presença intermitente. Pareço normal mas não me agüento, me abandono. No jardim, em noites de fuga, durmo escutando melodias dos lugares onde não fui. À minha volta, sopros de canções que jamais escutei levantam redemoinhos de vida. Um vento infiltra-se entre os sinos pendurados no vão da escada e me acaricia. De olhos fechados, na distância que posso cobrir com um braço, te toco e cheiro, respiro através de tua pele, te sinto e entre a realidade e o delírio me reinvento, sem ligar para a roupa fora de moda, para o cabelo desalinhado, para os pés descalços, esquecida de quem sou e o porquê de ainda estar aqui. Nos sonhos atribulados, manifestos em arrepios e sobressaltos, busco algum sentido: haverá um começo de estrada ou só mais convites à minha perdição?

sexta-feira, março 11, 2005

Estranho senso de humor tem o destino. Embaralha semelhantes no que os diferencia: um deus fica visível aos olhos de uma louca que ninguém percebe que existe. No lusco-fusco os disfarça, embriaga-os de palavras e os faz dançar seus silêncios. Num piscar de olhos, claro e escuro, espelho e reflexo, teto e chão, recolhe lembranças corroídas e, em alucinações, junta-os em pedaços de vida, montagem de filmes em desconstrução. Quando se cansa, rabisca figuras, reconstrói diálogos, inventa cenas e com qualquer par de olhos, ilude-os com faíscas de estrelas que abrem portas para Lugar Nenhum.
Será isso um fim ou um reinício?